Artigos e Entrevistas

12/02/2019 - 02h31

30 anos de crise

Fonte: O Estado de S. Paulo / Sérgio Amad Costa*
 
Livro de Pazzianotto nos auxilia a não repetirmos os erros do passado recente


 
A expectativa, quando se faz uma reforma trabalhista, está centrada na geração de empregos. Porém a criação de postos de trabalho tende a ocorrer, sim, mas de forma lenta. O quadro recessivo leva à capacidade ociosa nas empresas. Assim, mesmo com uma retomada do crescimento econômico, essa ociosidade tem de ser, num primeiro momento, derrubada. Apenas num segundo momento, quando se elimina essa ociosidade, é possível a recolocação das vagas de trabalho que haviam sido fechadas por causa da crise. A consolidação efetiva do crescimento econômico só se dará num terceiro momento. Aí, sim, se observa, de forma consistente, a criação de postos de trabalho novos.
 
O fato é que agora, tudo leva a crer, estamos começando a viver sob o primeiro momento, o da queda da ociosidade. Indicadores sobre nível de emprego têm apontado os primeiros sinais positivos destes últimos quatro anos. Mas a recuperação do mercado de trabalho ainda é muito tímida e cerca de 12 milhões de brasileiros sofrem hoje com o desemprego.
 
Os empregos são o cerne de tudo nas relações trabalhistas. E só serão ampliados, em termos numéricos, caso uma série de outras mudanças se verifique, propiciando ambiente seguro e estimulante para os novos investimentos. O mais recente livro de Almir Pazzianotto Pinto, lançado agora pela Editora Anjo, 30 Anos de Crise, 1988-2018, nos ajuda a compreender várias questões polêmicas que afetam o País e contribuem para inibir os investimentos empresariais, desde a promulgação da Constituição de 1988 até os dias atuais. Trata-se de uma coletânea de artigos, a maioria publicada neste jornal no decorrer de 2017 e 2018.
 
A Carta Magna de 88 é um dos temas centrais abordados pelo autor. Faz ele severas críticas à Lei Maior, mostrando seus exageros em termos de número de dispositivos legais, que dificultam sua aplicação, com 250 artigos, 104 dispositivos constitucionais transitórios e 99 emendas, perdendo em extensão apenas para a da Índia. Mas se esta nossa Constituição é um dos entraves para sairmos da crise, Pazzianotto adverte que, se houver como eleger nova Constituinte, presenciaremos a repetição dos problemas na elaboração da Carta Magna de 1988. Atores, coadjuvantes e figurantes serão outros, mas o enredo não será diferente. Acredita também ser impossível vingar a tese da lipoaspiração da Lei Maior: “A quem competirá determinar quais os dispositivos que serão sacrificados? Excluída medida de arbítrio, resta-nos prosseguir no acidentado caminho das emendas pontuais”.
 
A reforma trabalhista, obviamente, não estaria fora desse livro. Ela tem sido criticada, principalmente por muitos sindicalistas, pois perderam a contribuição sindical compulsória. Entretanto, insisto em lembrar, o Brasil em nenhum momento da História, desde a era Vargas até o final de 2017, teve um modelo negocial nas relações entre empregados e empregadores. Agora, a reforma, ao dar prevalência ao negociado sobre o legislado em várias situações, está criando condições para fortalecer os sindicatos verdadeiramente representativos, embora estes hoje sejam poucos, possibilitando ampliar o seu papel de negociação.
 
Pazzianotto, em vários artigos da sua coletânea, comenta, com muita acuidade, o conteúdo da reforma trabalhista, salientando, entre outras considerações, o anacronismo da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT). Um anacronismo em relação à globalização, à robotização, à automação e à retração do mercado de trabalho. Cumpre destacar que a reforma trabalhista alterou 54 artigos, revogou 9 e criou 43, modificando cerca de 10% da legislação trabalhista. Embora proporcionalmente pequenas, as alterações atingiram pontos fundamentais do mundo do trabalho, que, acredito, necessitavam de adequações para os dias atuais.
 
Outro tema versado no livro 30 Anos de Crise, 1988-2018, motivo para muitas discussões hoje, é a ideia de pôr fim na instituição Justiça do Trabalho. O autor manifesta-se radicalmente contra tal ideia, observando tratar-se de tese utópica. Além de mostrar vários prejuízos que tal extinção causaria, indaga: “A quem seriam encaminhados os milhões de ações individuais e coletivas novas, em andamento ou em execução?”. Seria inútil tal esforço agora, sobretudo com as dúvidas amplificadas pela reforma trabalhista. Pazzianotto está coberto de razão. A meu ver, seria como dar um tiro nos próprios pés.
 
O ano de 2018, no que tange à economia do País, foi muito prejudicado pela chamada greve dos caminhoneiros. É imprescindível ler os comentários do autor sobre o assunto. A ideia é extrair lições aprendidas. A primeira é saber que tipo de movimento foi aquele: uma greve ou um motim? Faz diferença, sim, saber, pois as medidas legais e intervencionistas a serem adotadas durante o movimento dependem do esforço de definir o que está acontecendo. Era notório, no decorrer dos acontecimentos, que as autoridades governamentais não sabiam como lidar com aquele tipo de paralisação.
 
Uma segunda lição que dele se pode extrair está diretamente ligada à economia: o País não deve continuar dependente do transporte sobre rodas. Urge a construção de rede ferroviária, que ligue o centro do Brasil às capitais dos Estados e aos grandes centros produtores.
 
Há outros temas abordados em 30 Anos de Crise: 1988-2018 - como greves, partidos políticos, geografia da fome, as eleições de 2018 - que valem também a leitura. Ingressamos agora, creio, numa nova era, na qual os investimentos poderão se concretizar no Brasil. Um novo momento que nos pode dar a chance de eliminar as chagas que penalizam 12 milhões de brasileiros, provocadas pelo desemprego. Os textos de Almir Pazzianotto auxiliam com subsídios, muito bem fundamentados, para não cometermos os mesmos erros praticados no nosso passado recente. Oxalá tenhamos realmente a página - da crise - virada.
 
*Sérgio Amad Costa é professor de Recursos Humanos e Relações Trabalhistas da FGV-SP.
 
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