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30/12/2022 - 06h35
A segurança jurídica e o papel da regulação
Fonte: A Tribuna On-line / Flávia Takafashi*
Ente regulador deve atuar apenas quando necessário para mitigar eventuais lacunas ou falhas regulatórias
Falar sobre segurança jurídica não é um tema trivial ou de fácil conceituação ou concretude. E talvez seja por isso que os órgãos regulares são sempre chamados a debater o tema. A sua aplicação decorre em essência do texto constitucional, insculpido no Artigo 5º, inciso 36 da Constituição Federal e se revela, precipuamente, como um princípio norteador da atuação do Poder Público visando garantir mais previsibilidade e estabilidade nas relações jurídicas.
De acordo com José Afonso da Silva, doutrinador brasileiro, a segurança jurídica consiste no conjunto de condições que tornam possível às pessoas o conhecimento antecipado e reflexivo das consequências diretas de seus atos, além de se caracterizar como um importante princípio que assegura que as relações realizadas sob o império de uma norma devem perdurar, ainda quando tal norma seja substituída.
Uma regulação adequada está intrinsecamente ligada à segurança jurídica, mas também requer que ela seja dinâmica de tal forma a acompanhar as mudanças e eventuais novas necessidades do mercado regulado.
Como premissa de atuação, sabe-se que o ente regulador deve atuar apenas quando necessário para mitigar eventuais lacunas ou falhas regulatórias, e sempre com o objetivo de trazer mais previsibilidade no ambiente de negócios, preservar o direito dos usuários (que no setor portuário podem ser desde pessoas físicas a empresas) e garantir a segurança e a eficiência do transporte aquaviário de bens e pessoas.
O setor aquaviário brasileiro (portos e navegação marítima e interior de cargas e passageiros) acompanha de maneira muito próxima os movimentos internacionais de inovação, logística, tecnologia e modelo de negócios, e por conta disso está em constantes transformações e aperfeiçoamento. E a Agência Nacional de Transportes Aquaviários (Antaq), como ente regulador desse segmento, tem sempre diligenciado em prol do aperfeiçoamento dos seus normativos e da atualização dos seus julgados para atender e ajustar a sua regulação às dinâmicas do setor.
E é aí que surge o grande debate. E a segurança jurídica? Se prover segurança jurídica é dar previsibilidade nos seus julgados, pode a agência aperfeiçoar seu entendimento sobre determinado tema e alterar as premissas regulatórias que balisaram uma decisão do passado? Ou a despeito das inovações mercadológicas que surjam a agência deve sempre manter as suas decisões já difundidas e conhecidas? A conta da segurança jurídica versus o papel regulatório de sempre atuar com foco no mercado e em prol de uma regulação que de fato atenda às necessidade setoriais não é uma matemática exata, mas sim uma conta de resultado.
Um tema atualmente em destaque na Antaq que revela justamente essa atuação da agência em busca de uma regulação cada vez mais adequada é a discussão sobre a alteração da Resolução Antaq 62/2021, que prevê obrigações e penalidades ao transportador marítimo ou agente intermediário no que se refere à cobrança de sobre-estadia. Após se deparar com diversos casos concretos antes não analisados, a agência identificou um possível problema regulatório envolvendo cobranças adicionais de armazenagens de contêineres e a necessidade de uma intervenção regulatória para mitigar essa falha de mercado.
No exemplo citado, a medida encontrada pela agência para solucionar o problema identificado foi o aperfeiçoamento do arcabouço normativo visando trazer mecanismos que permitam identificar o responsável pela armazenagem adicional, bem como incluir dispositivo infracional àquele que tendo responsabilidade por assumir tal ônus o repasse a outro agente da cadeia que não tenha dado causa à cobrança adicional. A matéria atualmente se encontra em fase de participação social no âmbito da audiência pública 10/2022 e o objetivo é obter contribuições para o aprimoramento da proposta de alteração normativa. A mudança no texto normativo é um exemplo dos meios pelo quais a agência busca promover uma regulação mais assertiva, aumentar a eficiência do setor e garantir a segurança jurídica no seu escopo de atuação.
Então, quando se trata do dever de regular, discutir segurança jurídica dificilmente será um debate sustentado na defesa da manutenção de uma regra, uma interpretação ou um entendimento a qualquer custo. E tampouco dizer que garantir previsibilidade é sustentar uma regulação que não se aperfeiçoa às demandas de mercado. Eis um dos grandes desafios do regulador.
*Flávia Takafashi, diretora da Agência Nacional de Transportes Aquaviários (Antaq)