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14/12/2022 - 08h35

CAP e a governança portuária

Fonte: A Tribuna On-line / Frederico Bussinger*
 
TCU retira de pauta processo de desestatização do Porto de Santos com três pedidos de vista
 
Após a decisão do Tribunal de Contas da União (TCU), ontem, ganha ainda maior importância a audiência pública que a Câmara Municipal santista promove, hoje, para discutir o futuro do Porto.
 
Mais que a retirada de pauta do projeto de desestatização da Santos Port Authority (SPA), em função dos três pedidos de vista, chamaram atenção: i) informações do relator de que o processo, ao retornar, deverá vir com roupagem nova, pois o governo eleito deseja avaliar desestatizações em outros portos antes de prosseguir com Santos; ii) o rol de dúvidas e objeções levantadas em menos de 15 minutos, como registrou o ministro Vital do Rego: algumas pontuais, como a modelagem do túnel Santos-Guarujá, riscos de verticalização e conta vinculada. Mas também há outras basilares: “Por que privatizar se dá lucro?”, indagou o ministro Benjamin Zymler. E ele foi além: “Por que privatizar se, em outros países, administrações portuárias (AP) são públicas?”; implicitamente endossado pelo relator ao distinguir terminais de administrações (“guardas de trânsito”, na sua analogia).
 
Pedido de vista era esperado; mas não questionamentos desse grau e tantos condicionantes. Assim, o mais provável é que: i) o TCU não volte a se debruçar sobre o tema no prazo autodefinido de 45 dias pós-recesso; ii) nos próximos (muitos) meses o Porto de Santos deverá estar em debate; do qual a audiência de hoje é como que um pontapé inicial.
 
Durante os últimos anos, enquanto desestatização/privatização (das APs) era o título do filme, ativos e investimentos (quantitativamente) foram o foco e dominaram o noticiário. Mas a pauta é extensa: infraestrutura (portuária e de acessos; terrestres e aquaviários) e regulação, desde logo. Mas também operações; relação porto, cidade e região; questões ambientais (mormente após a COP27 e sob a onda ESG corrente); e trabalho (postos e qualificação). Ademais, um tema que, apesar de estar no DNA da desestatização, ficou em segundo plano: governança; cuja pauta, em si, é multifacetada.
 
Escopo: o objeto da desestatização era o Porto Organizado (PO). Com as sucessivas alterações/reduções da Poligonal, geralmente com foco patrimonial, um novo ente se impôs: o Complexo Portuário (CP). Este inclui o PO, Terminais de Uso Privado (TUPs) e, mesmo, canal de acesso dedicado e a ferradura ferroviária: na prática, todo o Estuário. Como esse universo tem, funcionalmente, elevado grau de interdependência, uma primeira definição: a governança abrangerá apenas o PO ou já o CP?
 
Gestão: interrelação da administradora com as demais instâncias locais (Conselho de Autoridade Portuária, o CAP; Órgão Gestor de Mão de Obra (Ogmo), prefeituras, etc.); se responsável por toda a infraestrutura básica e serviços condominiais (do PO ou do CP) ou se com algumas outorgas independentes (infraestrutura aquaviária, por exemplo; e se sob uma Sociedade de Propósito Específico (SPE) privada (condominial ou acionista independente), mista ou pública, são definições essenciais para caracterização da governança.
 
Autonomia: praticamente todas as funções de autoridade portuária passaram, progressivamente, a se concentrar no Ministério da Infraestrutura (MInfra) e na Agência Nacional de Transportes Aquaviários (Antaq); ainda que, sob muitos aspectos, TCU e Ministério Público Federal (MPF) também tomem decisões a respeito. O quanto dessas funções retornará às instâncias de cada porto; e se haverá uma regra geral ou se será caso a caso são temas já postos na mesa. E em vários fóruns.
 
CAP: a principal bandeira sobre ele tem sido seu caráter; se consultivo ou deliberativo. Mas deliberativo de quê? As definições quanto à gestão e à autonomia são matéria-prima para avanços nessa discussão; da mesma forma que a segmentação em decisões estratégicas, táticas (políticas) e operacionais muito pode contribuir. Para além de um ativo, ou mesmo um elo de cadeia logística, portos são agentes de desenvolvimento regional. Assim, antes ou até a mais importante função de um CAP parece ser o de viabilizar a participação e articulação dos diversos atores, organizar o debate e dar transparência. Principalmente às decisões estratégicas.
 
Há muito essa pauta poderia estar sendo discutida. Mas nunca é tarde: esse debate pode começar hoje, e ser uma grande contribuição, tanto para o futuro de Santos como dos portos brasileiros em geral.
 
*Frederico Bussinger, engenheiro, economista e consultor. Foi diretor do Metro/SP, Departamento Hidroviário (SP), e da Codesp. Também foi presidente da SPTrans, CPTM, Docas de São Sebastião e da Confea.
 
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