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03/01/2020 - 07h49

Desemprego cairá para um dígito em 2022, prevê Marinho

Fonte: Valor Econômico
 
Questões estruturais do mercado de trabalho tornam queda lenta; taxa de desocupação deve se manter em elevados 9,5%


 
Principal desafio do atual governo, o desemprego deve recuar em ritmo lento para taxa de um dígito no fim do mandato do presidente Jair Bolsonaro, disse em entrevista ao Valor o secretário especial de Previdência e Trabalho, Rogério Marinho. Mas continuará num patamar alto, na casa de 9,5%.
 
O emprego vai reagir por causa da melhora conjuntural da economia. Mas o mercado de trabalho tem problemas estruturais a enfrentar, alerta: o impacto das novas tecnologias, a informalidade elevada e a falta de oportunidade para os jovens.
 
“Hoje a sociedade paga uma carga tributária muito maior do que pode suportar. Temos um Estado hiperatrofiado”
 
Marinho reconheceu que “não pegou bem” a ideia de taxar em 7,5% os pagamentos do seguro-desemprego para financiar a desoneração de folha do primeiro emprego, batizado de Contrato Verde Amarelo. Agora, diz ele, cabe ao Congresso encontrar uma alternativa de financiamento.
 
A ideia do governo para a desonerar a folha era o tributo sobre transações financeiras, mais amplo que a CPMF. Detonada ao custo da cabeça do ex-secretário da Receita Marcos Cintra, a proposta está de novo sobre a mesa, conforme informou o presidente Jair Bolsonaro no último dia 16. A questão, diz o secretário, é saber se a ideia está madura a ponto de ser aceita pela sociedade.
 
A maturidade do debate permitiu que o Congresso aprovasse, em dez meses do início do governo Bolsonaro, a reforma da Previdência. É o principal legado de sua área neste ano, afirmou o secretário, chamado de “senhor Reformas” pelo ministro da Economia, Paulo Guedes. A melhora no ambiente macroeconômico reduziu juros, déficit público e a taxa de risco-Brasil, lançando uma perspectiva mais positiva para 2020.
 
Marinho frisou que não há hipótese de o governo propor ou apoiar propostas de obrigatoriedade para contribuição sindical ou contribuição assistencial. A seguir, os principais trechos da entrevista.
 
Valor: Chegamos ao fim de 2019 com a reforma da Previdência aprovada. Qual o balanço que faz do trabalho da secretaria neste ano?
 
Rogério Marinho: Eu acho que o principal legado que a gente deixa é a reestruturação do sistema previdenciário, num trabalho que seguiu a orientação do ministro Paulo Guedes e contou com o apoio do presidente Jair Bolsonaro. Foram quatro projetos de lei aprovados e convertidos no Congresso Nacional. Todas as atenções se voltaram para PEC [Proposta de Emenda à Constituição], mas ao mesmo tempo combatemos fraudes, cobramos dívidas e levamos em consideração a capacidade contributiva da sociedade brasileira e a uniformização dos procedimentos. Juntas, essas medidas geram R$ 1,159 trilhão. Isso é a espinha dorsal do que produzimos, aliada ao estabelecimento de uma idade mínima, que é uma luta histórica de governos que passaram pelo país. Não é por acaso que se está vendo a queda da taxa de juros, a diminuição do nosso déficit público, o aumento do nosso ranking, a redução da taxa de risco-Brasil.
 
Valor: Quer dizer que o “investment grade” volta logo?
 
Marinho: Já foi, inclusive, sinalizado por uma das agências de avaliação. Espero que brevemente. O selo de investimento é importante para atrair recursos dos fundos que são obrigados, por sua constituição, a investir em países que o possuam. Para nós, é essencial que isso aconteça. Estamos trabalhando duro para isso.
 
Valor: Há vários projetos econômicos que aguardam votação no Congresso. Qual o plano para 2020?
 
Marinho: O governo atacou primeiro o segmento que mais incomodava, que era o crescimento explosivo da nossa dívida pública. A descentralização de recursos para Estados e municípios é outro marco que merece ser ressaltado. Desde o descobrimento do Brasil, os governos sempre centralizaram recursos e financeiros e poder político. Este governo está propondo uma descentralização. Essa agenda vai ter uma dinâmica no Parlamento. Aliás, o Congresso tem sido extremamente reativo, de forma positiva, à pauta econômica.
 
Valor: E as propostas de sua secretaria?
 
Marinho: Nós apresentamos 13 projetos de lei e queremos apresentar mais alguns no primeiro semestre de 2020. Tem a Medida Provisória (MP) 905, o projeto de lei que trata da questão de pessoas com deficiência, outro projeto que trata da definição de liberação de recursos de depósitos recursais, e também a modificação de aspectos na rescisão contratual de empregos por tempo determinado. Estamos conversando em torno de um projeto que já tramita na Câmara, do deputado Marco Bertaiolli [PSD-SP], que trata do menor aprendiz. Estabelecemos quatro grupos que devem concluir seus estudos agora no dia 10 ou 15 de fevereiro, que tratam de: consolidação da legislação previdenciária e trabalhista, mercado de trabalho do futuro, segurança jurídica e reforma sindical.
 
Valor: Os grupos de estudos vão produzir projetos de lei?
 
Marinho: Sim. Serão projetos de lei. A reforma sindical, me parece que é uma PEC. Queremos extinguir a unicidade sindical de forma gradativa. Entendemos que o processo de convenções e acordos coletivos é essencial para um país capitalista. Mas queremos modernizar esse processo, porque temos uma legislação de mais de 70 anos, que tem uma raiz em Benito Mussolini e Getúlio Vargas. Estamos recepcionando os estudos técnicos. Vamos colocá-los em consulta pública, submeter internamente ao governo e ver o que apresentamos ao Congresso. Queremos que seja um processo participativo, porque estamos mexendo no cerne da estrutura do mundo do trabalho.
 
Valor: E a contribuição sindical? Vai voltar?
 
Marinho: Para nós, não há nenhuma possibilidade da volta da obrigatoriedade. A discussão agora é a contribuição assistencial, que é devida por ocasião de acordos e convenções coletivas. Mas entendemos que não há possibilidade de que haja obrigatoriedade nessa contribuição.
 
“Há mais de 300 tipos de multas dentro da CLT, Tem tantas discrepâncias que se torna difícil aplicar a própria norma”
 
Valor: Ao lado da reforma da Previdência, caminhou também uma agenda de desregulamentação. O que foi feito?
 
Marinho: Quando chegamos aqui, me assustei. Não sabia que era tão difícil processo regulatório. Eram mais de 6.900 tipos diferentes de multas passíveis de serem aplicadas em que empreende no Brasil. Havia 37 Normas Regulamentadoras de saúde e segurança do trabalho. Nossa decisão foi desburocratizar, simplificar, tentar modernizar esse arcabouço regulatório para dar um mínimo de sanidade a quem emprega no país. Concluímos o ano com dez Normas Regulamentadoras revisitadas. Uma delas foi extinta e as outras nove, modernizadas. Até janeiro, acredito que mais cinco estarão prontas. Só com as dez, a redução de custos das empresas passou de R$ 100 bilhões.
 
Valor: Pode dar um exemplo do que vem pela frente?
 
Marinho: Definir efetivamente o que é uma área insalubre. O STF [Supremo Tribunal Federal] definiu recentemente que mulheres grávidas ou amamentando não podem trabalhar em ambientes insalubres ou perigosos. Isso pode resultar em discriminação contra a mulher em idade fértil no mercado de trabalho. Vou te dar um exemplo: imagine que uma médica com 26 ou 28 anos descubra que está grávida. Por definição das nossas NRs, o hospital é um ambiente 100% insalubre. Então, ela imediatamente precisa ser afastada. Há pelo menos 50 tipos de profissão em que a insalubridade existe.
 
Valor: Além de hospitais, em que outros tipos de estabelecimento isso pode ocorrer?
 
Marinho: Há vários. Frigoríficos, indústria química, postos de gasolina, trabalhos com geradores. Até camareira de hotel. Houve decisão do Tribunal Superior do Trabalho de que o lixo de hotel é lixo público. Então gera insalubridade de até 40%. Imagina o meu Estado [Rio Grande do Norte], por exemplo. Tem 13 mil camareiras. Como a decisão foi deste ano, espero que não haja impacto. Mas estou preocupado.
 
Valor: Como será conduzido o debate sobre desoneração da folha em 2020? O presidente disse que todas as alternativas estão sobre a mesa, inclusive a volta da CPMF.
 
Marinho: Sabemos que há uma reação da sociedade, porque a CPMF era para financiar o sistema de saúde. Mas ao longo do tempo isso se perdeu, entrou numa vala comum e a sociedade se sentiu enganada. A Carteira Verde Amarela é um laboratório. Estamos propondo a desoneração da folha para os jovens, que têm hoje entre de 24% a 25% da taxa de desemprego nessa faixa etária. Isso vai criar, dentro da sociedade e no Parlamento, aquele sentimento de que o programa precisa ser ampliado ou continuado.
 
Valor: Houve reação à ideia de financiar o Contrato Verde Amarelo com a cobrança de uma contribuição sobre o seguro-desemprego.
 
Marinho: Não pegou bem. A gente tem visto a reação do Congresso e da própria sociedade. Mas o Congresso tem a legitimidade, a capacidade e a condição de buscar uma fonte alternativa para que a gente preserve um programa que é importante, que é essencial.
 
Valor: Mas independentemente do programa é preciso discutir a desoneração da folha de forma geral?
 
Marinho: A população tem de avaliar. Nesse processo, tem de ter uma alavanca. Eu vou pagar um imposto, mas eu vou ter retorno? Isso vai significar o que para mim? Hoje a sociedade brasileira paga uma carga tributária muito maior do que pode suportar. Isso é fato. Nós temos um Estado hipertrofiado. Por isso que o governo tem feito um trabalho no sentido de diminuir o tamanho, para torná-lo um Estado eficiente, eficaz, meritório. Que sirva à sociedade e não se sirva da sociedade.
 
Valor: Por que não mandaram projeto de lei complementar para o Programa Verde Amarelo?
 
Marinho: Por um motivo muito simples: porque nós temos um orçamento. Se nós não editássemos uma MP, a eficácia do programa só começaria em 2021. E não há nada mais urgente neste país do que gerar emprego e renda para a população. A MP tem ações conexas. Tem o emprego, que é o Programa Verde Amarelo, e outra necessidade urgente, que é o microcrédito. Estamos falando de uns R$ 40 bilhões nos próximos três anos, e quase 10 milhões de pessoas. Em outro ponto, a mudança da correção dos depósitos recursais, as estatais devem ter uma economia de R$ 37 bilhões nos próximos cinco anos.
 
Valor: Mas a MP 905 não foi muito ambiciosa? É chamada de minirreforma trabalhista.
 
Marinho: Não é uma MP assim tão grande. Trata de cinco ou seis temas, que têm variações. Por exemplo, a questão das multas. Há mais de 300 tipos de multas dentro da CLT [Consolidação das Leis do Trabalho]. Há tantas discrepâncias dentro do processo que se torna difícil aplicar a própria norma. Regulando em quatro tipos distintos, dizendo que um decreto vai definir de que forma isso vai se dar, são uns 50 artigos revogados só na questão de multas. Essa MP é tão interessante que, não por acaso, tem quase 2 mil emendas ao projeto. Ah, é uma reação ao projeto? Não. É sobretudo o fato de que essa é uma demanda reprimida. A sociedade e o Congresso querem debater esses temas.
 
Valor: E o trabalho aos domingos, regulado na MP?
 
Marinho: Disseram que a proposta era inconstitucional porque já foi apresentado este ano [no Congresso]. Não foi. Isso foi fruto de uma emenda de parlamentar por ocasião da tramitação na Câmara na MP da Liberdade Econômica. Quando chegou no Senado, foi retirado do texto por falta de pertinência temática. Então, não foi votado no Parlamento nem apresentado pelo governo. Nós pedimos estudos ao pessoal ligado à agricultura, à indústria, ao comércio, aos serviços. Pedimos estudos e levantamentos. Temos documentos que atestam que pelo menos 500 mil novos empregos vão ser gerados nos próximos três anos com essa medida.
 
Valor: Mas e a CLT?
 
Marinho: A CLT não inclui o brasileiro. Só tem 40 milhões de pessoas com carteira assinada e o mercado está mudando. Então nós estamos buscando de uma forma holística, mais completa, para permitir que as pessoas possam se inserir no mercado de trabalho não necessariamente formalizadas. É claro que nós gostaríamos que todos fossem formalizados. Mas entendemos que essa não é realidade. Há o MEI [Microempreendedor Individual], os profissionais autônomos, os liberais, os microempresários, os trabalhadores intermitentes e por jornada parcial, agora o trabalhador da Carteira Verde Amarela, o servidor público e o trabalhador informal. Estou falando de mais de 30 milhões de brasileiros que trabalham sem vínculo formal e que, de uma forma ou de outra, no futuro, vão pressionar nosso sistema previdenciário e assistencial. Que é outra discussão que precisa acontecer. Como a gente vai financiar esse sistema daqui 20 ou 30 anos.
 
Valor: Vão taxar o informal?
 
Marinho: Não.
 
Valor: Tem como?
 
Marinho: Aí, seria a CPMF, né? Mas essa é uma discussão que não amadureceu. É uma discussão que precisa ser travada em algum momento mais adiante. Se o Legislativo não está disposto a encarar essa discussão, ela nem sequer vai começar.
 
Valor: O senhor vai ajudar na costura política da reforma tributária?
 
Marinho: O meu papel é de ser secretário especial de Previdência e Trabalho. E você está vendo o tamanho e a complexidade da nossa pauta. A interlocução política desse processo é do general [Luiz Eduardo] Ramos [chefe da Secretaria de Governo]. Nosso trabalho é ajudar nessa interlocução, pela nossa relação, mas sempre no aspecto técnico.
 
Valor: A ideia de capitalização continua no radar do ministro Paulo Guedes. O governo está disposto a encaminhar em algum momento este assunto?
 
Marinho: Esse é um tema que não está maduro. É um fato que o sistema que nós temos, que é o solidário, ele tem dificuldades de fechar suas contas. A reforma paramétrica que foi feita agora vai ter um prazo. Espero que demore 20 a 25 anos. Mas em algum momento a sociedade vai ter que se debruçar novamente no tema. Acredito que capitalização, em 2020, não. Pode ser até neste governo, passada a eleição municipal.
 
Valor: O que o senhor espera do emprego para 2020?
 
Marinho: A questão do desemprego no Brasil hoje tem muito mais a ver com uma questão estrutural. Não é uma questão simplesmente de oferta e de procura. Há uma mudança no perfil do mercado de trabalho. É por isso que a queda dos índices tem sido tão gradual. Nós imaginamos que em 2022 gente deve recuar para menos de um dígito. Mas nada de espetacular. Alto. Uns 9,5%. Vai depender muito do crescimento econômico. Se a gente tiver mesmo 2,5% a 3% nos próximos três anos, essa mudança pode ser mais intensa. Porque os empregos que serão gerados serão sobretudo na área da construção civil, na área têxtil, segmentos que empregam de forma mais intensiva. Uma coisa é o emprego formal, e outra coisa é a ocupação de pessoas. Esse sim, eu acho que vai ser bastante vigoroso nos próximos anos.
 
Valor: O que esperar de mudança no INSS em 2020?
 
Marinho: O INSS vai continuar com seu processo de modernização. Houve um trabalho muito forte neste ano de digitalizar seus serviços, melhorar sua performance, de diminuir estoques de processo que estavam represados. Espero que até março do próximo ano a prova de vida seja digital também. Já fizemos piloto em 14 cidades e estamos agora ultimando os preparativos para evitar que 3 milhões de pessoas, todos os meses, se desloquem para postos de atendimento e bancos para fazer a prova de vida.
 
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