Artigos e Entrevistas

21/09/2021 - 09h17

Não dá para ignorar, planejar sim

Fonte: Guia Marítimo / Martin von Simson*
 
Como todos sabem, uma sobreposição inédita de acontecimentos anormais no mundo vem provocando duradoura desorganização nos processos produtivos, na forma como compramos, no funcionamento dos portos, nos fluxos e escalas do transporte marítimo e na economia. Sem esquecer de mencionar o aumento generalizado dos fretes. Pandemia nos portos, Suez, desastres, panes em navios, e fenômenos da natureza se sobrepuseram nos últimos dois anos e são alguns dos fatores que vem causando desafios inimagináveis para todos envolvidos.
 
Não houve nem tempo para uma recuperação dos efeitos de todos esses acontecimentos e, novamente, o fluxo de cargas é interrompido com um novo surto de Covid 19 no porto de Ningbo-Zhoushan, um dos maiores da China, causando mais um efeito cascata no abastecimento. Espaço em navios é como verdura. É um bem perecível. Precisa ser usado no dia de hoje, não se armazena para o futuro. E assim, acumulam-se cargas nos portos e desarranja-se qualquer planejamento ou cumprimento de prazos dos navios com a consequência da gradativa menor oferta de espaços para containers a bordo.
 
As previsões mais otimistas apostavam numa razoável normalização até o final do ano. Hoje já se sabe que é pouco provável que aconteça antes de meados de 2022, na melhor das hipóteses. Não há como aumentar a oferta de navios do dia para a noite para atender a todas as cargas atrasadas com o acúmulo em portos congestionados, e, consequentemente, navios perdendo as datas para usar os slots úteis. Ou seja, a oferta diminui a cada intercorrência.
 
Some-se a isso a proximidade do Black Friday e do Natal no mundo além do Dia do Solteiro na China. Juntos movimentaram U$ 99 Bilhões em novembro e dezembro do ano passado. Essa demanda terá que ser atendida, na medida do possível em 2021. Portanto, apenas em dezembro é que começará a diminuir essa pressão do mercado e só aí é que há chance de a situação começar a se equilibrar, caso nenhuma nova parada aconteça.
 
Em consequência, uma série de fatos imprevisíveis vem ocorrendo com mudanças bastante significativas nas relações entre embarcadores de cargas, transportadoras, em todos os modais e operadores de logística. Uma das mais significativas é o aumento dos fretes e sua s consequências. Essa variação nos fretes é clássica. Embora muitos embarcadores estejam indignados e naturalmente partindo para acusações de quebra de contratos, favorecimentos etc. enquanto, por outro lado, operadores se protegem com argumentos de força maior, historicamente temos visto o contrário acontecer com a redução nos fretes quando a oferta de slots é bem maior do que a demanda. Dessa vez, porém, a oferta acabou ficando excessivamente desequilibrada em consequência dessa sequência de desastres e efeitos da pandemia.
 
Como efeito natural, esse significativo aumento nos fretes vem trazendo lucros e geração de caixa inéditos para os grandes armadores e forwarders. E, com essa situação financeira favorável, todos vão às compras. De modo atípico também, não necessariamente compras de ativos convencionais como novos navios, por exemplo. E, é importante uma análise sobre o tipo de investimento que vem se tornando comum no ramo da logística. Uma outra onda vem atingindo o mundo dos transportes e do comércio exterior. A digitalização do setor e o aproveitamento de tecnologias como o Block Chain, IoT, IA, Big Data entre outros.
 
Como ocorreu no ramo da hotelaria, das viagens de passageiros e da mobilidade urbana, a tecnologia causou uma ruptura significativa na forma de comercialização e operação da logística, dando movimento a empresas de TI sem ativos, agindo como comercializadores e operadores do sistema. No E Commerce não foi diferente e nem o será na logística. Visivelmente e já esperado, o uso das ferramentas digitais, o avanço da Logística Integrada com serviços End to End vem se acelerando acima das expectativas.
 
Portanto, o que estamos assistindo em 2021 são armadores e operadores logísticos acumulando lucros inéditos e ao mesmo tempo adotando estratégias de aproveitar o caixa para ampliar o escopo e alcance de suas atividades. Visam crescer otimizando operações e atendendo o cliente em todas as suas necessidades da cadeia e assim consolidarem-se no mercado como operadores logísticos.
 
Vemos armadores com a estratégia de investir pesadamente em TI, na aquisição de startups, forwarders, NVOCCs, transportadoras de outros modais e empresas de rastreamento, perseguindo a meta pelo crescimento do grupo via ampliação do escopo de serviços. Vemos forwarders também se fortalecendo na área de TI e participando de fusões e incorporações de empresas similares e complementares. E, vemos empresas de vendas online e de Market Place investirem em ativos ou em softwares não somente para que tenham o controle de sua distribuição, mas também, em alguns casos, para que essa divisão se torne um centro de lucros adicional com a venda de logística para terceiros.
 
O armador agressivo e capitalizado atual investe em sistemas de integração logística e oferece cada vez mais serviços E2E. Representantes de grupos como da DB Schenker e a Kuehne+Nagel reclamam afirmando que o papel do armador tem sido o de operar os navios enquanto o forwarder deve atender o cliente em todas as suas necessidades e que deve continuar assim. Não mais, segundo os armadores. Já estamos assistindo a uma disputa cada vez mais transparente entre os players, que tem como protagonistas empresas como a Maersk, a CMA CGM, MSC entre outras e que estão investindo os seus recentes lucros na compra de empresas estratégicas para a sua logística integrada. Ao mesmo tempo empresas como a DSV, DHL, K&N, UPS, FeDex, XPO, entre outras, estão indo às compras, também procurando agregar musculatura aos seus negócios. A batalha é feroz, os desafios imensos e as oportunidades ainda maiores.
 
Em um cenário para o futuro próximo teremos também a ameaça ou fato de que deverá haver um ainda maior aumento nos custos dos armadores e transportadores em geral com o que vem sendo chamado de Greenflation ou Inflação Verde. As metas ambientais e os hábitos de consumo sustentável estão com previsão de investimentos colossais em combustíveis alternativos e Apps de controle.
 
A criação, aproveitamento e implantação desses combustíveis, aliada à dificuldade de sua distribuição para uso em equipamentos de transporte de todos os modais, terá um custo ainda desconhecido, porém significativo.Nem as graves consequências das intercorrências recentes que provocaram a queda de oferta de espaço em navios foi forte o suficiente para que armadores mudassem a velocidade deles em benefício de mais viagens. Isso causaria um impacto ambiental e a sustentabilidade prevaleceu. Portanto, não há previsão de redução de fretes que deverá sofrer os efeitos da “inflação verde”, mesmo num futuro reequilíbrio da oferta e demanda.
 
E o embarcador, por seu lado, tem uma íngreme curva de aprendizado nesse cenário que se desenha. Para começar, precisa investir para que a sua empresa seja digitalizada e atualizada tecnologicamente. Precisará,principalmente, de muito discernimento na escolha de seus parceiros de TI e logística nesse novo modelo do mercado. Um eficiente Supply Chain e a imperiosa capacidade de entrega rápida, confiável, sustentável e com custos competitivos serão os seus melhores aliados para o sucesso nas vendas.
 
Provavelmente todo esse cenário que descrevemos causará mudanças permanentes em todas as relações futuras entre embarcador e o transportador ou o operador de sua logística. Uma previsão - que como tudo poderá mudar amanhã - é que mais e mais empresas comprarão pacotes de logística integrada dos maiores grupos que emergirem dessa consolidação das empresas, terceirizando os serviços de logística e passarão a se dedicar a produzir, promover e vender.
 
Algumas empresas maiores comprando produtos de logística integrada customizada e as menores buscando soluções nas prateleiras digitais que já estão surgindo em grande quantidade. Grandes provedores de logística integrada já oferecem opções, customizada assim como plataformas com soluções de prateleira para atender a pequenos e eventuais embarcadores.
 
Foi esse cenário que as ocorrências excepcionais de 2020 e 2021 ajudaram a acelerar. Isso sem esquecer dos desafios dos transportadores em atender às metas de redução de sua pegada ambiental. Um enorme esforço está sendo empregado por todos já que esse tema está se tornando uma opção de valor considerável nas escolhas do mercado.
 
Embora esse seja o atual cenário que as ocorrências excepcionais de 2020 e 2021 ajudaram a acelerar, preocupantes 82% das pequenas e médias empresas brasileiras ainda não começaram os investimentos em TI e digitalização. O Brasil está atrasado na escolha de seu modelo de licitação para provedores do 5G necessário para uma fluida automação. A pesquisa, produção e distribuição de combustíveis alternativos mais verde também está aquém das necessidades do futuro imediato. Não há suficiente oferta de mão de obra e de treinamento para atender a esses novos tempos. Não há políticas públicas.
 
Todos esses problemas se apresentam como enormes oportunidades principalmente para países de tamanho continental, empreendedorismo e recursos naturais abundantes. Falta a discussão, planejamento e a “inteligência integrada” que o momento político tumultuado infelizmente não favorece. É mais do que chegada a hora de se discutir as formas para o que o Brasil possa se beneficiar com estratégias na sua logística para vencer esses desafios.

*Martin von Simson, um dos fundadores da feira e conferência Intermodal South America, posteriormente vendida à UBM, Martin foi também administrador de uma série de empresas de transportes e logística de químicos, como Tankpool Logistica, Stolt Haven, Stolt Tank Containers e Sistema Transportes.
 
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