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03/05/2019 - 03h23

No 1º de Maio, trabalhador ataca trabalhador

Fonte: Folha de S. Paulo / Fernando Canzian*
 
Ao ter Previdência como alvo, centrais sindicais não ajudam na recuperação
 
 
Com 28 milhões de desempregados, desalentados ou trabalhando menos de 40 horas semanais no Brasil, Jair Bolsonaro queimou a largada e perdeu tempo nos primeiros 120 dias de governo. Sem se dedicar à reforma da Previdência, dissipou o otimismo que chegou com ele à Presidência.
 
Mas há algo de estrutural na quase depressão que tomou conta do Brasil. Não existe paralelo, desde a redemocratização, na lentidão com que a economia anda desde o fim da recessão de 2014-2016.
 
Até ela, em todas as quatro crises importantes pós-ditadura (1989-1992, 1998-1999, 2003 e 2008-2009), o PIB reagiu rápido no acumulado dos três trimestres seguintes ao fim da recessão.
 
Desta vez, tivemos dois anos seguidos (2017 e 2018) de crescimento perto de 1% e entramos no terceiro (2019) sem perspectiva de melhora.
 
O que há de errado, então, se a inflação e os juros estão baixos, há capacidade ociosa e o Brasil tem quase US$ 400 bilhões em reservas cambiais?
 
Objetivamente, a grande diferença entre a saída das crises anteriores e da atual é a relação entre o tamanho de nossa dívida pública como proporção do PIB —o melhor indicador da solvência das contas públicas.
 
Na crise de 2003, por exemplo, essa relação era menor que 60%. Ao sair da recessão, o país cresceu 3,6% no acumulado de três trimestres. Na de 2008-2009, a relação seguia em 60%, e crescemos 7,6%.
 
A diferença agora é que saímos da recessão de 2014-2016 com a relação dívida/PIB acima de 70%. Ela hoje já está perto de 80% —e subindo rápido.
 
Para quem ainda não se convenceu, essa é a principal razão de ser da reforma da Previdência. Pois o que mais gera aumento do déficit público e da dívida é o descontrole do sistema de pensões e aposentadorias.
 
Em recuperações anteriores, foram sempre os investimentos das empresas que lideraram a retomada. Desta vez, ninguém investe ou emprega temendo que o governo suba impostos mais à frente para cobrir rombos, arruinando margens de lucro.
 
FHC, Lula e Dilma também ajustaram a Previdência diante do envelhecimento da população e de seu impacto nas contas públicas. Mesmo assim, as centrais sindicais elegeram a reforma como alvo neste 1º de Maio e marcaram uma greve geral (com exceção da UGT).
 
Não deve dar em nada, mas é outro exemplo da irracionalidade brasileira. Uma nova aposta contra o futuro.
 
*Fernando Canzian, jornalista, autor de "Desastre Global - Um Ano na Pior Crise desde 1929". Vencedor de quatro prêmios Esso.
 
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