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20/01/2022 - 09h33

No caminho do PL havia um Tarcísio

Fonte: Valor Econômico / Daniel Rittner*
 
Candidatura do ministro da Infraestrutura ao governo de São Paulo causa estranhamento
 
Julho de 2011. Após uma sequência de revelações sobre um esquema baseado na cobrança de propina a construtoras que faziam obras em rodovias federais, Alfredo Nascimento é demitido do Ministério dos Transportes. Na época, seu filho foi acusado de enriquecimento ilícito. Uma empresa familiar com capital social de R$ 60 mil juntou, em dois anos, patrimônio superior a R$ 50 milhões. Nascimento, primeiro deputado e depois senador, era um dos caciques do PL no Congresso Nacional.
 
Julho de 2012. A Polícia Federal bate à porta de uma casa no Alphaville, um dos condomínios mais luxuosos de Goiânia, para prender Juquinha das Neves. Apelidado por sua miudeza, presidente da Valec por oito anos, ele protagonizou um festival de irregularidades na Ferrovia Norte-Sul, que se tornou sumidouro de verba pública. Para a PF, uma rede de desvios ia da terraplenagem ao fornecimento de dormentes. O Ministério Público sustentava que o patrimônio imobiliário de Juquinha havia aumentado 14.000%. Ele foi condenado por lavagem de dinheiro e formação de quadrilha, mas recorre em liberdade. Era referência no PL.
 
Outubro de 2017. Valdemar Costa Neto oferece apoio ao presidente Michel Temer para a votação, na Câmara, do envio ao Supremo Tribunal Federal (STF) de denúncia formulada pela Procuradoria-Geral da República (PGR). Em troca, leva três favores: a retirada de Congonhas do plano de privatizações e a permanência do aeroporto na Infraero, a volta de voos ligando o aeroporto da Pampulha a outras capitais do país, a indicação de um diretor à Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT). Valdemar é o comandante do PL.
 
No meio do caminho sempre estava Tarcísio Freitas. Ele foi nomeado diretor-executivo do Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (Dnit) para fazer uma limpeza na autarquia em 2011, após a demissão de Nascimento. Como secretário do Programa de Parcerias de Investimentos (PPI), na gestão Michel Temer, estruturou a concessão da Norte-Sul. Já ministro da Infraestrutura, bateu o martelo no leilão da ferrovia e deixou encaminhada a privatização de Congonhas, que talvez seja seu último ato antes de sair do cargo e começar a campanha pelo governo de São Paulo.
 
Pela primeira vez, neste século, o ministério tem equipe 100% técnica no primeiro escalão. Uma delegada da PF coordena um programa de integridade e conformidade que, só no ano passado, levou mais de 200 denúncias para os órgãos de controle. Quando recebe no gabinete executivos do setor privado, para discutir licitações da pasta, Tarcísio faz questão de ter pelo menos um auxiliar como testemunha de tudo. É uma espécie de anti-PL.
 
Por isso sua candidatura ao Palácio dos Bandeirantes, tal como está desenhada, merece estranhamento. Tarcísio foi o primeiro por onde passou. Do Colégio Militar de Brasília, como lembra o ex-colega e também ministro Wagner Rosário, até a turma na Academia Militar das Agulhas Negras. Foi aprovado como número 1 no concurso de consultor legislativo da Câmara – um dos mais cobiçados em Brasília. Aprendeu logo e fácil a tratar com políticos de todos os matizes, inclusive com o PL, mas mantém ressalvas sobre seguir a filiação do chefe e entrar para o partido de Valdemar. Também gostaria de evitar o PP e descarta a opção por um nanico. Ele tem preferência pelo Republicanos.
 
Interlocutores do presidente Jair Bolsonaro afirmam que o objetivo de Tarcísio é ajudá-lo com um palanque no maior centro eleitoral do país, onde não havia um candidato óbvio do bolsonarismo. Mas avaliam que o ministro tem chances de emplacar. No cenário visto pelo Palácio do Planalto, um nome da esquerda – provavelmente do PT – tem lugar quase certo no segundo turno, puxado pela dobradinha com Lula. A outra vaga estaria em aberto. Rodrigo Garcia (PSDB) terá a máquina em mãos, ao assumir o governo, mas é tido por conselheiros de Bolsonaro como a aposta mais frágil do tucanato em quase três décadas à frente do Estado.
 
Com 5% a 9% das intenções de voto pelo Datafolha, conforme o cenário pesquisado, Tarcísio tem espaço para crescer (sua rejeição é baixa) e disputaria a segunda vaga. Para que esse potencial de crescimento se materialize, no entanto, será preciso manter a direita unida e evitar a dispersão de votos para nomes como o ex- ministro Abraham Weintraub e o deputado estadual Arthur do Val.
 
Tarcísio começou a ouvir especialistas em áreas como educação, saúde, segurança pública e economia para aprender mais sobre São Paulo. Já tem uma resposta para quem disser que ele não conhece o suficiente da realidade paulista: “Tudo se aprende, só não se aprende a ter caráter”. Ok, é uma boa frase, mas o PL tem caráter?
 
Não bastará, para Tarcísio, rejeitar filiação ao partido de Valdemar e optar por outra sigla. É o partido de Bolsonaro – e está na contramão de tudo o que o ministro, elogiado até pelos inimigos do governo, fez na administração pública. Os bolsonaristas também ensaiam uma explicação para a troca do discurso antissistema pelo PL: “Eles não vão nos mudar, nós é que vamos mudá-los”. Até hoje, ninguém mudou Valdemar.
 
Outra síndrome
 
Autoridades costumam reclamar que a mídia, quando relata uma boa notícia vinda do governo, sempre adota um tom de cautela e fazer ponderações. Até chamam isso de “síndrome do mas”: tal coisa é boa, mas…
 
Em dezembro, o Congresso aprovou projeto de lei que cria estímulos para a navegação de cabotagem – conhecido como BR do Mar – com uma emenda apoiada pelo governo: o corte de alíquotas do Adicional ao Frete para Renovação da Marinha Mercante. Trata-se de uma taxa paga por cada frete realizado no Brasil, que banca um fundo para a manutenção e a construção de navios no país.
 
Depois da aprovação, o Ministério da Economia divulgou estudo em que calculava barateamento da cesta básica em 4% e alta de 0,2% do PIB com as mudanças nas alíquotas. Teve secretário lamentando, nas redes sociais, que esse avanço não recebia a devida atenção. Nas interações, muitos comentários elogiosos ao governo e críticas à mídia.
 
No dia 7 de janeiro, a lei de criação da BR do Mar foi sancionada, mas não integralmente. Entre os vetos, a redução no Adicional ao Frete para Renovação da Marinha Mercante. Por recomendação do Ministério da Economia.
 
*Daniel Rittner, repórter especial do Valor em Brasília
 
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