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09/11/2020 - 09h35

O jogo do poder e a ligação seca entre Santos e Guarujá

Fonte: O Estado de S. Paulo / Casemiro Tércio Carvalho*
 
 
O Estado de São Paulo tem mais uma oportunidade de endereçar uma questão histórica que afeta tanto a qualidade de vida dos moradores da Baixada Santista quanto a economia, não apenas da região, mas de todo o país. Trata-se da ligação seca entre Santos e Guarujá e seu impacto econômico crucial no desenvolvimento do Porto de Santos, o maior da América Latina.
 
A discussão centenária sobre a obra voltou à tona recentemente com declarações fortes do ministro da Infraestrutura, Tarcísio de Freitas, quando pontuou que “ponte não combina com porto” e com a campanha Vou de Túnel, movimento criado por mais de 30 empresas privadas e associações que defendem o projeto do túnel imerso como a melhor alternativa para resolver esse antigo gargalo e promover mobilidade urbana e a melhoria da qualidade de vida da população das cidades envolvidas, assim como proteger o potencial de crescimento e atendimento da atividade portuária ao Brasil.
 
A iniciativa, fruto de união de empresários e representantes da sociedade, visa informar a população e os atuais e próximos gestores públicos sobre o projeto do túnel que se apresenta como a proposta mais viável sobre a mesa atualmente para a ligação seca, seja pelo fato de conferir os melhores resultados do ponto de vista técnico, ambiental, de mobilidade urbana e acessibilidade, ou seja pelo prisma econômico já que é a opção mais benéfica para os cofres públicos e profícua para o desenvolvimento da operação portuária na região.
 
Os números do projeto atestam essa realidade. O túnel Santos-Guarujá atenderá mais de 40 mil pessoas por dia e reduz em 25 minutos o tempo de travessia. O trajeto passará a ser feito em menos de cinco minutos. Com a distância de apenas 1,7 km e localização estratégica, o túnel é também uma opção mais econômica e tem menor custo do que os outros projetos apresentados.
 
Em 2019, a Autoridade Portuária de Santos, preocupada com o futuro da sua atividade, atualizou o traçado o que permitiu reduzir a necessidade de desapropriações e reduzir o custo da obra, além de representar menor impacto no ambiente urbano. Com a atualização, 95% das desapropriações previstas pelo projeto anterior foram eliminadas e o redesenho possibilitou também uma economia da ordem de R$ 500 milhões.
 
É preciso jogar luz sobre outra questão urgente e que preocupa a comunidade portuária como um todo. A criação de obstáculos físicos no canal de navegação do maior porto da América Latina. Uma barreira de aço e concreto que impede a chegada dos grandes navios de carga ao porto e, consequentemente, põe em risco a balança comercial seja a exportação de commodities seja a importação de produtos das mais distintas naturezas que movem a economia brasileira. Outro ponto de atenção é que o simples fato de provocar a redução da velocidade dos navios na entrada de um canal, já estreito como o de Santos, irá gerar filas de embarcações e impactar negativamente a operação global do porto.
 
A experiência internacional nos mostra que a ligação seca nos portos do mundo é imersa. Não existe ponte em rota de navegação nos principais portos espalhados pelo globo. Inúmeros são os exemplos de países que têm apostado na construção de tuneis em detrimento de projetos considerados obsoletos e que inviabilizam a passagem de navios maiores. Todos eles seguindo recomendações quase de mandatórias da PIANC (Associação Mundial de Infraestrutura de Transporte Marítimo) indicando tais soluções imersas como as melhores.
 
Trata-se também de uma questão de responsabilidade fiscal e econômica. Não se pode jogar uma pá de cal no desenvolvimento portuário da região. O Porto de Santos, além de ser a maior responsável pela movimentação da economia brasileira, é o principal gerador de empregos e renda da Baixada Santista. Além disso, do ponto de vista tributário, o porto é o principal colaborador na arrecadação de ISS (Imposto sobre Serviços) da cidade de Santos. Todos esses pontos comprovam que um obstáculo físico, construído com recursos públicos (notadamente pelo pedágio do sistema Anchieta-Imigrantes), se mostra um retrocesso.
 
Além das vantagens elencadas, o projeto do túnel já está apto a sair do papel. A viabilidade econômica do projeto está desenhada e pode ser executada de diferentes formas. Estão em estudo maneiras de implementar o projeto, seja por PPP (Parceria Público Privada), ou até mesmo, inserir a construção do túnel no ambiente da desestatização do porto de Santos, uma meta do Governo Federal. Além disso, o tempo previsto para obra de construção do túnel é inferior a dois anos (considerando novas modalidades de construção).
 
O momento é mais que oportuno para que o debate sobre a ligação seca volte a ter ressonância. Com a aproximação das eleições municipais, a discussão que visa definir qual projeto é melhor – ponte ou túnel – também voltou a pauta política com mais intensidade. É crucial que os candidatos conheçam a diferença entre os projetos e que o tema faça parte das plataformas e planos de campanha, assim como o compromisso com a melhor solução.
 
É consenso que uma decisão dessa magnitude e que se arrasta há anos siga o ritmo habitual da política e que a discussão tramite por diferentes esferas da sociedade civil organizada. Essa dinâmica é salutar e faz parte da democracia. O que é inaceitável é que a decisão final seja tomada por questões políticas.
 
O jogo do poder não pode prevalecer e a tomada de decisão sobre a melhor opção para a ligação seca deve ser técnica, após a definição do que é prioritário. O bem-estar da população, o uso responsável dos recursos públicos e o futuro do principal ativo da balança comercial brasileira devem estar à frente de qualquer viés político, ou interesses individuais.
 
Se o endereçamento dessa questão estratégica seguir o caminho técnico e colocar o interesse das comunidades da Baixada Santista em primeiro lugar, fica claro, como descrito neste breve artigo, que o túnel imerso é a única alternativa viável e que respeita a boa engenharia para a ligação seca entre Santos e Guarujá.
 
*Casemiro Tércio Carvalho é engenheiro naval, executivo do setor de infraestrutura, e ex-presidente da Autoridade Portuária de Santos e do Porto de São Sebastião
 
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