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02/05/2022 - 08h03

Privatização da Autoridade Portuária. Esse é o real foco?

Fonte: A Tribuna On-line / Sérgio Aquino*
 
As melhores práticas mundiais apontam para a importância da Autoridade Portuária local
 
Ao bater o martelo de forma intensa na Bolsa de Valores de São Paulo (B3), em 30 de março, o então ministro da Infraestrutura, Tarcísio Gomes de Freitas, festejou a concessão do Porto de Vitória e salientou o fortalecimento da desestatização dos portos brasileiros, destacando Santos como o grande objetivo futuro. De imediato, se intensificaram os debates sobre o tema, em alguns momentos conflituosos. Sobre a assertividade ou equívocos envolvidos na decisão do Governo de conceder a exploração integral de portos e suas administrações à iniciativa privada, já é possível encontrar diversos estudos e comentários para ambos os lados. Por isso, quero concentrar de esforços em uma constante dúvida: o Governo está privatizando a Autoridade Portuária?
 
Sugiro que avaliemos um breve histórico da Autoridade Portuária, desde a reforma via Lei 8.630/93. Entendo que, na vigência da Lei de Modernização dos Portos, a Autoridade Portuária brasileira estava bipartida em duas instituições: administração do porto organizado e Conselho de Autoridade Portuária (CAP), que deveriam exercer suas competências de forma integrada e harmônica. Basta avaliar algumas das competências características da Autoridade Portuária na Lei 8.630/93: o horário de funcionamento do porto era baixado por sua administração, porém dependia de homologação do CAP; os valores da tarifa eram definidos pela administradora, todavia só com homologação do CAP podiam ser praticados; a gestora do porto elaborava o Plano de Desenvolvimento e Zoneamento (PDZ), mas competia ao CAP a aprovação. Vários temas envolviam atuações conjuntas e havia uma Autoridade Portuária local.
 
Logicamente, sabemos das interferências que ocorreram, resultando no engessamento do poder decisório portuário local, que se formatou com a Lei 12.815/13. Se, no passado, a Autoridade Portuária era local, no atual marco regulatório temos só a Autoridade Portuária nacional. Todas as atribuições da administração local dependem da aprovação do poder concedente ou da agência reguladora - no caso, a Antaq. Hoje, a gestora portuária habilita os operadores com base em definições do poder concedente e não mais pelo CAP local; empresas arrecadam tarifas portuárias aprovadas pela Antaq e sem envolvimento do CAP local; as operações são fiscalizadas, mas o gestor local não tem mais poder de aplicar penalidades e tudo deve ser enviado à Antaq. As deliberações estratégicas que caracterizam uma efetiva Autoridade Portuária não são exercidas localmente. A administração local e o atual CAP não têm poder de deliberação sobre PDZ, tarifas etc.
 
Se as funções de uma efetiva Autoridade Portuária não repousam mais sobre a gestão local, a dúvida quanto à suposta privatização de tal função pública está dissipada. Os atuais processos licitatórios envolvem a empresa de administração portuária que não detém as naturais funções de uma efetiva Autoridade Portuária, que continuarão sendo exercidas pelo Poder Público, de forma também bipartida, entre poder concedente e Antaq.
 
Além disso, outra preocupação: a centralização da Autoridade Portuária é apropriada? As melhores práticas mundiais apontam para a importância da Autoridade Portuária local. O Banco Mundical, em seu trabalho Port Reform Toolkit Second Edition, destaca a importância da descentralização e, de forma elegante, insinua na página 77 que medidas em sentido contrário não estão relacionadas a países modernos e desenvolvidos ao afirmar que “a forma mais comum é uma Autoridade Portuária local, que administra apenas um área portuária. Porém, Autoridades Portuárias nacionais existem em países como Tanzânia, Sri Lanka, Nigéria e Aruba”.
 
Respeitamos esses países, mas se queremos avançar no sistema portuário, devemos lutar que o Brasil esteja ao lado de EUA, Holanda, Bélgica, Alemanha, China e outros que valorizam a descentralização. No lugar de debater essa suposta privatização da Autoridade Portuária, que entendo inexistente, proponho que dediquemos energia para a recuperação, mesmo que parcial, de funções da Autoridade Portuária local. A Secretaria Nacional de Portos concordou com a inclusão do CAP em temas estratégicos nas atuações da futura concessionária do Porto de Vitória e no processo de Santos. O primeiro passo foi viabilizado e sugiro que nos concentremos caminhando nessa luta.

*Sergio Aquino, presidente da Federação Nacional das Operações Portuárias (Fenop)
 
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