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06/12/2022 - 05h33

Reforma trabalhista portuária - parte 4

Fonte: A Tribuna On-line / Lucas Rênio*
 
O texto anterior da série de artigos que tenho lançado nesta coluna terminou, de forma reflexiva, com a seguinte indagação: e no Brasil, que caminho seguiremos? Essa pergunta decorreu da constatação de que em diversos países a regulação portuária trabalhista tem sido modernizada nos últimos anos. Em Portugal, cujo sistema de trabalho portuário sempre foi a principal base para o modelo brasileiro, a atualização legislativa vem sendo construída através de diálogo tripartite, incluindo pacto de concertação social.
 
Tendo em vista que o papel histórico da reserva de mercado já se encontrava ultrapassado (assim como no Brasil), não havendo amparo legal nem fim social que justificasse a sua manutenção, o sistema de contratação foi liberalizado. Na Espanha e na Bélgica (Wet-Major), porém, as alterações estão sendo impostas por decisões do Tribunal de Justiça da União Europeia (TJUE) através da aplicação de princípios que muito se assemelham, no Brasil, à livre iniciativa e à liberdade difusa de profissão (acesso livre ao mercado de trabalho). No caso espanhol, por exemplo, o TJUE decretou como irregular a regra que impedia os operadores portuários de "recorrerem diretamente ao mercado para contratar o seu próprio pessoal, seja de forma permanente ou temporária", condicionando tal possibilidade de contratação à demonstração prévia de que "trabalhadores inseridos na SAGEP não eram capacitados ou que o quantitativo se mostrava insuficiente". A SAGEP, no contexto da mencionada decisão e para efeito da realidade espanhola, pode ser comparada ao OGMO, no Brasil, quanto à reserva de mercado. Esse obstáculo à vinculação direta e desembaraçada de trabalhadores portuários foi enquadrado como ofensivo ao artigo 49º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (TFUE), que garante a "liberdade de estabelecimento" (Processo C-576/130).
 
A referida garantia se assemelha à livre iniciativa que a Constituição Federal assegura em seus artigos 1º e 170. A liberdade em destaque também foi aplicada pelo TJUE ao analisar o sistema de trabalho portuário da Bélgica. Nos processos C 477/19 e C 471/19, a Corte Europeia julgou que a "limitação do número de trabalhadores portuários que podem obter reconhecimento para atuarem como portuários e, por conseguinte, a constituição de um contingente restrito desses trabalhadores, aos quais qualquer empresa que pretenda exercer atividades portuárias deve obrigatoriamente recorrer, é certamente desproporcionada".
 
Ficou decidido, nesse sentido, que "qualquer trabalhador capaz de demonstrar que dispõe das competências profissionais exigidas e, sendo o caso, que seguiu uma formação adequada, tem o direito de ser reconhecido como trabalhador portuário".
 
Além de incompatível com o já mencionado artigo 49º, do TFUE, o sistema belga também foi apontado como irregular pelo TJEU com base nos artigos 45º e 56º da mesma norma, dispositivos esses que asseguram liberdades equiparáveis à liberdade de profissão e ao pleno emprego previstos em nossa Constituição Federal.
 
E no Brasil, como ficam todas essas garantias diante da reserva de mercado prevista na Lei 12.815/2013? O STF as consideraria parcialmente afrontadas, pelo critério de prioridade, e totalmente rasgadas, sob o prisma da exclusividade absoluta voltada aos trabalhadores portuários avulsos (TPAs)? Há alguma saída prevista na própria Lei 12.815/2013, especialmente no artigo 41, inciso I e parágrafo 1º? Deixo essas indagações provocativas como prelúdios para os próximos artigos desta série.

*Lucas Rênio - Sócio da Advocacia RMM - Pós-graduado em Direito do Trabalho pela USP e PUC-SP - Presidente da Com. de Direito Portuário da OAB-Santos - Membro da Com. de Direito Marítimo e Portuário da OAB Nacional (Representando SP)
 

 
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