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20/09/2021 - 08h43

‘Migração do caminhão para o navio é lenta’, diz presidente da empresa de navegação Log-In

Fonte: O Globo
 
Marcio Arany conta como a companhia esbarra no atraso de nova regulação para usar novo navio na disputa por cargas com as rodovias
 
Afetada pela crise dos estaleiros, que não entregaram navios encomendados que já tinham consumido muito dinheiro, a companhia de navegação Log-In se reinventou em 2016.
 
Vendeu parte da frota, reestruturou dívidas e abandonou o mercado de commodities para focar em contêineres, compartimentos que transportam produtos acabados.
 
Em 2019, retomou planos de expansão para intensificar a disputa com os caminhões, que ainda transportam mais de 60% das cargas, mas entrou em compasso de espera por causa do atraso na tramitação do Programa de Incentivo à Cabotagem (transporte entre portos do mesmo país), chamado de BR do Mar, no Congresso.
 
Em entrevista ao GLOBO, o presidente da empresa, Marcio Arany, explica como a aquisição, em 2020, de um navio liberiano contou com a nova regulação, que promete reduzir o custo de expansão de frota abrindo o setor a embarcações de bandeira estrangeira.
 
O projeto foi aprovado na Câmara, mas está parado no Senado. Enquanto isso, a empresa aciona um plano B.
 
Veja a seguir os principais trechos da entrevista:
 
A Log-In se reestruturou para focar em contêineres. Como a pandemia afetou esse plano?
 
Nossa restruturação terminou em 2018. Em 2019, iniciamos uma expansão. Em 2020, já tínhamos o plano de trazer um novo navio, mas a pandemia realmente nos afetou muito, no segundo trimestre, e adiamos.
 
Foi ruim para todo o setor, mas no terceiro trimestre houve uma boa recuperação e fechamos um ano muito bom, apesar da pandemia. Trouxemos o nosso sétimo navio e acabamos apenas 5% abaixo da meta no orçamento.
 
“ Antes, a tripulação chegava num hotel dois dias antes. Hoje, temos quarentena de cerca de dez dias, testagem intensa e uma série de protocolos no navio"”
 
A que atribui a recuperação rápida do setor?
 
A cabotagem leva cargas de segmentos diferentes. Muitos continuaram vigorosos durante a pandemia, como alimentos, bebidas e material de higiene e limpeza. Alguns, como o de eletroeletrônicos, pararam.
 
O polo de Manaus parou 40 dias, mas retomou com força para atender à demanda das pessoas que estavam em casa, demandando mais produtos industrializados. Eu mesmo troquei o meu fogão.
 
Como a Covid-19 afetou navios?
 
Antes, a tripulação chegava num hotel dois dias antes. Passava por um dia de orientações e embarcava no seguinte. Hoje, temos quarentena de cerca de dez dias antes de embarcar, testagem intensa e uma série de protocolos no navio. São dias pagos, como comprar férias do funcionário.
 
Tínhamos 12 turmas, duas para cada navio, mas criamos uma 13ª para substituições. Já tivemos que trocar a tripulação toda de um barco por causa de uma pessoa que testou positivo e navio retido em quarentena forçada pela Anvisa. O custo aumentou, mas foi importante para a segurança de todos.
 
Exigem vacina de funcionários?
 
Hoje não é obrigatório, mas estimulamos. No terminal de Vila Velha (ES), 95% foram vacinados porque portuários são grupo prioritário, mas marítimos não são. Estamos com o administrativo em home office.
 
Quando estiver chegando a segunda dose no grupo de 25 anos, vamos começar a voltar ao escritório. Sinto falta. Mas só poderão ir vacinados.
 
Exportadores têm se queixado da falta de contêineres e de aumento no preço do frete marítimo e nos prazos de entrega. Em quanto tempo a situação deve se normalizar?
 
Não somos afetados pela falta de contêineres. Nossa frota da é 100% dedicada e está circulando em nossa área de atuação, Brasil e Argentina. Mundialmente, acredito que esse problema deve se estender por ao menos seis meses.
 
A Log-In comprou um 7º navio, mas de bandeira estrangeira, que pelas regras atuais não pode operar na cabotagem no país. Qual seria a vantagem?
 
Trouxemos o Log-In Discovery, de bandeira liberiana, acreditando na BR do Mar, que esperamos desde 2019. O objetivo é aumentar nossa tonelagem (carga contratada).
 
Para operar na costa brasileira, o navio tem que ser construído no país ou um novo importado, operado por tripulação brasileira. A BR do Mar permitiria trazer navios já usados de fora, o que barateia o custo.
 
Como foi aprovado na Câmara, qual seria a redução de custo?
 
De forma geral, seria reduzir a 50% o custo de incorporar um navio. Mas hoje é difícil responder porque navios usados estão o dobro do preço. O mercado está desorganizado e isso deve durar uns dois anos.
 
Críticos dessa lei dizem que estimularia um sucateamento ou redução da frota brasileira. O que deveria mudar no Senado?
 
Esse risco é real. Por isso defendemos como associação que é preciso ter a tonelagem brasileira. O que foi aprovado é que não precisa ter. De fato isso pode trazer um monte de porcaria para cá.
 
Um armador grande pode mandar para o Brasil um navio que não funciona em outro lugar, que polui mais, vaza óleo. Com a tonelagem, o armador vem para ficar com bons navios. Os contratos são de longo prazo. É fundamental voltar a tonelagem.
 
Fatores políticos bloqueiam a agenda no Congresso. Dá aflição investir contando com mudança de regulação no atual ambiente político?
 
Dá aflição sim, mas vimos a seriedade e as discussões da equipe técnica do Ministério da Infraestrutura. Temos uma associação do setor que está conversando com os senadores, fazendo esclarecimentos. Mas temos um plano aqui sem a BR do Mar.
 
Acreditamos que ela seja aprovada ainda este ano, mas ainda vai ter que ser regulamentada.
 
Enquanto isso, como tínhamos três navios para docar (fazer reparos), colocamos o Discovery para cobrir na modalidade de afretamento temporário, que é permitida hoje. Só que o tempo está passando.
 
O navio vai ficar disponível em setembro e vamos ter que colocar ele para circular no exterior. Mas espero que até junho e julho do ano que vem a BR do Mar esteja aprovada e regulamentada. É importante para o Brasil.
 
Como vê essa possibilidade com a crise política acirrada após o Sete de Setembro?
 
Seguimos confiantes. Essa agenda atrasou, infelizmente, e tudo indica que deverá ser adiada para o ano que vem.
 
Ter sempre um plano B é um custo de operar no Brasil ?
 
Sim, porque cria toda uma expectativa. Talvez se a BR do Mar nunca tivesse nascido, eu já tivesse, por exemplo, colocado um navio novo para ser construído lá fora e ser entregue no ano que vem.
 
Que vantagens o navio pode oferecer aos donos de cargas para tirá-los dos caminhões?
 
O aquário da cabotagem é pequeno. O mercado está na estrada. De 10% a 15% da nossa carga todos os anos vem das rodovias. Procuramos trabalhar a cadeia logística dos clientes, fazendo o mesmo porta a porta. Um cliente que usa 15 caminhões tem cada um deles chegando num horário diferente no destino. Um contêiner chega com hora marcada. O risco de avaria ou de roubo é próximo de zero.
 
Também disputamos no preço, mas isso depende da distância do cliente da costa e do tipo de produto. Mas o custo total pode ser entre 10% e 25% menor que o rodoviário.
 
Os clientes hoje estão muito mais exigentes em termos de tecnologia. Antigamente, ficavam felizes em ligar para saber onde a carga está. Hoje, querem abrir um mapa e saber em quantos minutos chega. Investimos muito nisso este ano, criando uma plataforma digital.
 
Para usar a cabotagem, os clientes precisam ter um bom planejamento, organização. Por isso, apesar do potencial, acredito que a velocidade de migração do caminhão para o navio é lenta. Não basta colocar o navio na costa, a carga não pula dentro. A Log-In movimenta mais de 70 mil viagens rodoviárias por ano, subcontratando. Temos uma gama de transportadores certificados perto dos portos.
 
Vão comprar negócios de transporte rodoviário?
 
Faz sentido, estamos olhando isso no mercado. É uma possibilidade, para trazer know-how de carga fracionada e da parte intermodal. O follow-on (capitalização de R$ 551 milhões com emissão de novas ações) que fizemos em 2019 foi para investimentos.
 
Estamos olhando oportunidades que gerem sinergia, mas não é fácil achar coisa boa. O mercado rodoviário é muito informal. Trabalhamos também num plano de expansão de frota, que vai demandar mais de um navio.
 
A nova ameaça de paralisação dos caminhoneiros afetou a demanda por frete marítimo?
 
Não impactou o nosso negócio. Além disso, foi curta, sem muita adesão. Tivemos contratempos pontuais que foram contornados rapidamente.
 
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