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16/05/2022 - 10h51

STS10: Análise concorrencial x protecionismo

Fonte: A Tribuna On-line / Angelino Caputo*
 
A moda do momento é ser especialista em Direito Penal e Constitucional
 
O brasileiro em geral possui uma característica interessante: gosta de entrar nos debates e falar como verdadeiro especialista, independentemente do tema. A moda do momento é ser especialista em Direito Penal e Constitucional. Nesse ano, teremos Copa do Mundo e os milhões de técnicos de futebol, que só aparecem nessa ocasião, devem estar se preparando para criticar as táticas e jogadores escolhidos pelo nosso já combalido comandante Tite. Outro exemplo recente desse comportamento nacional são os vários “especialistas de boteco” que entraram no debate da covid-19, dando aula sobre medicamentos e efeitos dessa ou daquela vacina.
 
Agora, chegou a vez de serem analisados os efeitos concorrenciais envolvidos na licitação da área STS10, para movimentação de contêineres no Porto de Santos. Um assunto altamente complexo, que envolve análise econômica, estudos econométricos, estimativas de fluxo de caixa e cálculos de valor presente líquido, simulações estatísticas das mais diversas, aplicação da teoria dos danos, exercícios de escala mínima viável, coleta detalhada de séries históricas e evidências empíricas, acordos de compartilhamento de embarcações e de preferência firmados entre armadores, entre outros.
 
O tema é tão complicado que até a excelente equipe técnica da Empresa de Planejamento e Logística (EPL), que elaborou o Guia para Análise de Impacto Concorrencial de Novas Outorgas de Terminais Portuários, solicitou humildemente ao mercado, na audiência pública do STS10 realizada em 19 de abril, novas contribuições para aprimorar a análise concorrencial decorrente da aplicação desse guia na elaboração do edital de licitação. Já que, segundo a equipe, ainda se trata de um material em construção e em fase de amadurecimento. Toda nação civilizada e democrática desse nosso planeta leva a sério o equilíbrio concorrencial entre agentes privados e possui órgãos especializados na defesa da concorrência. O Brasil, que postula ser integrante da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), tem um dos sistemas mais avançados do mundo, chamado de SBDC – Sistema Brasileiro de Defesa da Concorrência –, materializado pela Lei 12.529/2011.
 
Além de estruturar o SBDC, essa lei “dispõe sobre a prevenção e a repressão às infrações contra a ordem econômica, orientada pelos ditames constitucionais de liberdade de iniciativa, livre concorrência, função social da propriedade, defesa dos consumidores e repressão ao abuso do poder econômico”. Fica claro que os órgãos competentes para falar sobre as questões concorrenciais, decidir sobre a existência de infração à ordem econômica e impor quaisquer restrições que visem coibir práticas anticoncorrenciais e abuso de posição dominante em mercados relevantes são o Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) e a Secretaria de Acompanhamento Econômico (Seae) do Ministério da Economia.
 
Para não ficar só nas questões portuárias, são esses órgãos que avaliam se a Oi pode ser comprada pelas concorrentes Vivo e TIM ou se a Kolynos pode continuar no mercado após a fusão de concorrentes. Quando uma questão tão polêmica, como a possibilidade real de fechamento de mercado a partir do possível abuso de práticas anticoncorrenciais por parte de armadores que possuem operação verticalizada de terminais portuários, causar danos irreparáveis à concorrência no Porto de Santos, ela tem que ser elevada aos órgãos competentes e não pode avançar antes que eles se pronunciem, sob o risco de termos imperfeições de mercado por períodos superiores a 25 anos.
 
E para não falar que essa discussão acontece só aqui, destaco que a verticalização no transporte e operação de contêineres está sendo fortemente questionada no que tange aos aspectos concorrenciais tanto pelo governo norte-americano, por meio da Casa Branca, como pela comunidade europeia. É simples assim, nada pessoal. Não se trata da busca de protecionismos infundados dos que apenas se sentem ameaçados, como opinam os diversos palpiteiros de plantão. A análise concorrencial séria e profissional é que vai dizer quem pode ou não participar do processo. Como diz a Lei 12.529, “a coletividade é a titular dos bens jurídicos protegidos por esta lei” e se existir riscos graves ao equilíbrio concorrencial, com possibilidade de quebra de empresas independentes, mesmo elas sendo exemplos de eficiência, então há que se compatibilizar o edital do STS10 com as melhores práticas do SBDC. Nesse processo de licitação do STS10, valorizemos dados concretos e racionais. Deixemos as paixões para a Copa do Mundo!
 
*Angelino Caputo é diretor-executivo da Associação Brasileira dos Terminais e Recintos Alfandegados (ABTRA)
 
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