Artigos e Entrevistas

07/06/2022 - 10h13

Verticalização em portos: cartas na mesa; e agora?

Fonte: A Tribuna On-line / Frederico Bussinger*
 
Há muito a ser divulgado, esclarecido e aprofundado no setor portuário
 
O que era uma hipótese no último artigo, agora, ficou ainda mais claro: a verticalização entrou de vez na pauta portuária. E, de quebra, vem possibilitando matarmos saudade do velho e bom debate, hoje meio em desuso. Além de artigos que se multiplicam na imprensa, com visões distintas, o Tribunal de Contas da União (TCU) promoveu, em 26 de maio, um debate público que abrange o tema. Não está nas atribuições cogitadas, há 132 anos, pelo então ministro da Fazenda, Ruy Barbosa, nem no Artigo 89 da 1ª Constituição Republicana, de 1891. Mas, no vácuo deixado pelos poderes Executivos, a iniciativa que acabou sendo vista como algo natural, até saudada. “Se não tem tu, vai tu mesmo”, como dito popularmente. Palmas para o TCU!
 
Esse debate só não leva nota máxima porque não incluiu, entre a dúzia de painelistas, porta-vozes dos clientes finais, os donos de cargas (80 mil empresas, que são responsáveis por 25 a 55% das receitas dos terminais). Só foram convidados agentes públicos e representantes de prestadores de serviço, elos da cadeia logística (armadores, arrendatários, Terminais de Uso Privado e Terminais Retro Alfandegados). Talvez não tenha sido mero esquecimento, mas um equívoco conceitual: apresentações e debates se sucederam como se apenas o armador fosse cliente dos terminais.
 
O estopim desse processo foi a modelagem do STS10. Mas seu desenlace pode assentar conceitos e jurisprudências mais abrangentes. Ter repercussões sobre a desestatização da Santos Port Authority (SPA) e, no limite, dependendo do resultado daquele leilão, também sobre a cabotagem brasileira - agora, sob os marcos regulatórios da BR do Mar. O evento teve dois tempos distintos (clássico bordão de comentaristas esportivos). No segundo painel, viu-se o porto apresentado com base em categorias, conceitos, algoritmos e modelos usados pela comunidade e cultura regulatória; também de defesa da concorrência. Por vezes, teve-se a sensação de se ver um porto “metaversado”. Valeu pela sistematização de significados e mecanismos das regulações ex-ante e ex-post.
 
Já no primeiro painel, observou-se mais “o porto como ele é” (parodiando Nelson Rodrigues): o empolgante “Fla-Flu” (Caputo e Jesualdo x Loureiro e Montenegro) explicitou interesses privados envolvidos: sempre legítimos, mas nem sempre sintônicos com interesses públicos. A propósito, quando “interesse” passará a ser variável de planejamento? Ou seguiremos com a narrativa que planos resultam, apenas, de boas intenções e boas ideias?
 
Os painelistas fizeram o dever de casa, se prepararam bem (possivelmente contaram com consultorias) e defenderam competentemente os interesses representados e seus pontos de vista. Palmas também para eles! Mas, além das palmas, uma ponderação e sugestão, válida também para os articulistas: no caso de eventualmente estar contratado por alguma das partes envolvidas nesse debate, que tal declará-lo? Nenhum problema em estar, mas leitores e audiências têm o direito de sabê-lo, não?
 
O evento foi importante, desde logo, como subsídio para se desembaralhar alguns termos/conceitos: I) Verticalização é o nome do filme. Mas ora era referida no sentido de verticalização operacional, ora mais para verticalização patrimonial/societária. II) Custos vêm sendo mencionado com diversas acepções, o que pode ser uma armadilha: preço/tarifa para uns pode ser custos para outros. Por exemplo: parte do que os terminais cobram dos armadores (preços dos terminais) são custos que compõem o frete (preço do armador).
 
No mérito, verticalização operacional não foi arguida: aparentemente há um consenso de que, além de inevitável, ela é importante instrumento de eficientização logística e redução de custos: a discussão se desloca, então, para a apropriação desses ganhos.
 
Por conseguinte, cada parte redefiniu o foco do problema: I) Para os terminais (portuários e retroportuários): self preferencing, que estaria sendo praticada – e, portanto, defendem a necessidade de limitações à participação no leilão como forma de minimizar o risco de monopólio ou “abuso de posição dominante”; II) Para os armadores: gargalos nos terminais – e, portanto, inexistência de tais limitações como forma de impulsionar as expansões necessárias.
 
Do que se depreende das exposições dos agentes públicos, regulação ex-ante (uma “vacina”) só em último caso: haveria instrumentos ex-post eficazes. E Agência Nacional de Transportes Aqauviários (Antaq) e a regulação setorial estariam “maduras”.
 
Há muito a ser divulgado, esclarecido e aprofundado. Mas a volta dos debates é bem-vinda!
 
*Frederico Bussinger, engenheiro, economista e consultor. Foi diretor do Metro/SP, Departamento Hidroviário (SP), e da Codesp. Também foi presidente da SPTrans, CPTM, Docas de São Sebastião e da Confea.
 
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