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09/10/2019 - 00h58

Pessoas com esclerose múltipla escondem diagnóstico para não perder emprego

Fonte: Folha de S. Paulo
 
No Brasil, 40% das pessoas com a doença estão desempregadas, diz estudo
 
Claudia (nome fictício) tem 34 anos e trabalha há dez em um cargo de confiança de uma empresa de TI em Florianópolis (SC). Chefes e colegas de trabalho não sabem que ela tem esclerose múltipla, doença rara que afeta o sistema nervoso central. Nas duas vezes em que precisou se afastar, o médico concordou em registrar outra enfermidade no atestado.
 
Ao decidir esconder o diagnóstico, Claudia não está sozinha. Médicos, pacientes e pesquisadores ouvidos pela Folha dizem que os preconceitos que cercam a doença têm impacto direto no mercado de trabalho. Por conta disso, muitos pacientes não revelam sua condição.
 
“Para pessoas que trabalham em um ambiente muito competitivo, eu geralmente falo para se preservarem”, diz a neurologista Samira Apóstolos Pereira, do Hospital das Clínicas de São Paulo e do Hospital Sírio-Libanês.
 
Com diagnóstico recebido em 2013, Claudia tem como único sintoma fadiga eventual. Ela melhorou seu estilo de vida e se sente mais saudável do que antes. “Não comentei nada por medo de ter oportunidades de crescimento fechadas e sofrer preconceito”, conta. 
 
Uma pesquisa divulgada em agosto pelo Sesi analisou a relação entre a esclerose múltipla e o mercado de trabalho. Os dados mostram que no Brasil 40% dos pacientes estão desempregados. A Associação Brasileira de Esclerose Múltipla (Abem) estima que 35 mil pessoas tenham a doença no país.
 
Para o biomédico Antonio Fidalgo, um dos autores do estudo, a origem do preconceito é o desconhecimento. “Se alguém está cansado e pede para ir embora mais cedo, a tendência do empregador é chamá-lo de ‘vagabundo’, mas isso é um sintoma da doença.”
 
Na esclerose múltipla, as células de defesa se confundem e atacam células saudáveis do próprio organismo. O alvo principal delas é a bainha de mielina (a camada protetora do neurônio que permite maior velocidade na transmissão de impulsos nervosos).
 
 
Os sintomas mais recorrentes são perda de sensibilidade nos membros e na face, de força física, de visão e falhas na coordenação motora. “O diagnóstico de esclerose múltipla há 30 anos era como receber uma sentença de prisão perpétua”, diz Pereira. 
 
Segundo a neurologista, ainda que a doença não tenha cura, as chances de desenvolver incapacidades são bem menores quando as pessoas recebem o tratamento adequado. Mesmo assim, o sigilo ainda é a escolha de muitas delas.
 
 
Foi o que aconteceu com Bruno (nome fictício), 31, que trabalhava como supervisor financeiro e omitiu dos colegas sua condição desde o diagnóstico, em 2014.
 
Hoje, ele divide um escritório com três sócios —apenas um deles sabe da doença. Bruno não tem limitações graves e nunca revelou a situação para seus clientes. “Tenho a impressão de que a pessoa vai ficar com o pé atrás por eu ter esclerose múltipla e estar cuidando do patrimônio líquido dela. Talvez ela ache que eu seja incapaz de gerar resultado.”
 
O estudo do Sesi aponta que discriminação e falta de apoio dos colegas estão entre os principais motivos indicados pelos pacientes para deixarem o emprego. É o caso de Roberto (nome fictício), 31, que era promotor de vendas de uma multinacional.
 
 
Aos 24 anos, recebeu o diagnóstico e precisou ficar afastado do trabalho por 45 dias. Ele diz que passou a ser tratado de forma diferente ao voltar à rotina. “Antes havia briga entre vendedores e representantes para eu participar das equipes. Depois pararam de me ligar. Fui deixado de lado.”
 
No ano seguinte ao diagnóstico, Roberto foi demitido. “Disseram que estava havendo um corte de promotores, mas só eu fui dispensado no dia.” Como seu único sintoma visível é a rigidez na perna esquerda, ele resolveu não revelar o diagnóstico na empresa onde trabalha hoje. “Vou esconder enquanto puder."
 
A professora de ensino infantil Mariana Sanchez Pereira, 37, recebeu o diagnóstico há oito anos. Desde então, trabalhou em quatro escolas e em cada uma delas teve uma experiência diferente.
 
Ao descobrir a doença, ficou internada por 15 dias e viu seu empregador desistir de uma proposta que a beneficiaria. “Em vez de entender, me acolher e pensar em uma solução conjunta, eles resolveram retirar a oferta. Fiquei superchateada e pedi demissão.”
 
Contratada em outra escola, manteve sua condição em segredo por três anos, com medo de que a experiência negativa pudesse se repetir. Quando mudou de emprego mais uma vez, precisou quebrar o sigilo devido a uma nova internação. A experiência, entretanto, foi positiva. “Eu fui superbem acolhida e a minha vida mudou em relação à aceitação da doença.”
 
A nova perspectiva foi decisiva para revelar o diagnóstico em seu trabalho atual. Na escola em que dá aulas há dois anos, contou sobre a doença durante o exame admissional e não sofreu preconceito. Por causa do tratamento precoce, ela não tem limitações físicas. “Dou aula para crianças de seis anos e seguro o tranco como qualquer outro funcionário. Fico o dia inteiro em pé, ando pela escola toda e ‘tá’ tudo bem”, diz.
 
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