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30/09/2020 - 08h41
Projeto quer limitar ações coletivas
Fonte: Valor Econômico

Será apresentado esta semana, na Câmara dos Deputados, um anteprojeto de lei que pretende alterar significativamente as regras para o ingresso de ações coletivas na Justiça. O objetivo principal é reduzir a quantidade e melhorar a qualidade desse tipo de iniciativa, por meio de filtros legais que sufoquem o que já é visto como uma lucrativa indústria da litigiosidade e tem como principal vítima as empresas. O texto, com 35 artigos, foi entregue ao presidente da Câmara, Rodrigo Maia, por uma comissão de juristas selecionada pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ). Maia delegou a tramitação da matéria ao deputado Marcos Pereira (Republicanos-SP), que é o primeiro vice-presidente da Casa. Ele disse ao Valor que deve escolher o relator e protocolar o projeto até a próxima sexta-feira e que sua expectativa é de votação no plenário ainda este ano.
As ações coletivas são movidas normalmente pelo Ministério Público, a Defensoria Pública ou associações representativas dos mais variados interesses. Entre os alvos mais comuns estão operadoras de planos de saúde, bancos e concessionárias de serviços públicos. Mesmo quando saem vencedoras dos tribunais, as empresas acabam arcando com todo o custo financeiro dos processos. Uma das principais mudanças propostas é a exigência de que as associações passem por uma espécie de teste de representatividade antes de ingressarem com as ações. Outra sugestão é de que o Ministério Público seja obrigado a custear, com recursos do seu próprio orçamento, os valores referentes a ações que venham a ser consideradas “manifestamente improcedentes” pelo Judiciário.
O diagnóstico majoritário entre os juristas que elaboraram o texto é de que muitas associações são criadas de forma oportunista para ingressar com ações coletivas e lucrar com isso. No caso do MP, há uma percepção de que muitos procuradores usam a autonomia funcional para propor ações abusivas, que geram custos consideráveis para a economia. Caso seja obrigado a arcar com as custas de alguns processos, o MP acabaria, na percepção dos autores, sendo mais seletivo na hora de propor ações coletivas.
“Abusos hão de ser coibidos, de lado a lado, para que as ações coletivas possam gerar os desejados benefícios para a sociedade. É necessário, sobretudo, um alto grau de serenidade, pois a proteção dos indivíduos não se pode dar em detrimento da prosperidade econômica da sociedade, já que desta prosperidade depende o bem-estar dos próprios indivíduos”, explica a exposição de motivos do anteprojeto. Membro da comissão, a ministra Isabel Gallotti, do Superior Tribunal de Justiça (STJ), pontua que o problema é geral e difundido por toda a sociedade, agentes econômicos e consumidores. Muitas vezes, segundo ela, o ajuizamento de diversas ações coletivas sobre o mesmo assunto, em várias partes do país, cria a necessidade do exercício da mesma defesa perante vários juízes
“Algumas ações são de pequenos escritórios de advocacia que criam associações. Empresas têm que se defender da mesma coisa várias vezes e pelo país inteiro. A lei atual diz que a lei julgada só surte efeito em benefício do autor, e isso possibilita ações infinitas no Brasil inteiro”, explica a ministra. “Isso gera uma desorganização no mercado de consumo”, complementa. Além de averiguar a legitimidade das associações e a possibilidade de onerar o MP, o projeto estabelece algumas regras para quem estiver disposto a fazer parte de uma ação coletiva. Uma delas é abrir mão da ação individual para poder ser beneficiado por um eventual ganho na coletiva.
Outro integrante do grupo, o ministro Bruno Dantas, do Tribunal de Contas da União (TCU), lembra que a Suprema Corte americana teve que limitar o acesso às ações coletivas ao constatar que esses instrumentos estariam “empobrecendo o país”. “O principal problema está nas associações que não representam os segmentos que dizem representar e que existem só para importunar as empresas”, diz. De acordo com a versão 2020 do relatório “Doing Business”, elaborado pelo Banco Mundial, o Brasil aparece na 124ª posição em um ranking de 190 países sobre a facilidade para se fazer negócios. O custo da Justiça é um dos itens considerados para se avaliar o mercado de determinada região. “O Brasil é uma das dez maiores economias do mundo, não obstante a crise fiscal dos últimos anos. A despeito de tudo isso, a legislação trata muito mal os empreendedores”, diz Dantas.
Na sua avaliação, há um problema agudo no sistema judiciário, que é aprofundado pela ausência de regras que estimulem demandas coletivas em casos que façam jus a esse tipo de ação e, ao mesmo tempo, enfrentem o que ele chama de “litigância frívola” de associações que não representam a coletividade.
No caso do Ministério Público, são bastante comuns os problemas envolvendo pautas relativas ao meio ambiente. É muito recorrente, segundo os juristas responsáveis pelo projeto, que procuradores se unam a organizações não governamentais para inviabilizar toda e qualquer obra de infraestrutura. “Antes a gente vivia uma realidade em que não se conseguia tirar nenhuma obra do papel. Agora fomos para o extremo oposto, com o desmonte de toda a estrutura de fiscalização. Não conseguimos encontrar o tão desejado caminho do meio”, argumenta Bruno Dantas.
De acordo com ele, com a aprovação do projeto, o MP terá que ter mais planejamento. O ministro faz questão de salientar que não se trata de tolher as prerrogativas individuais dos procuradores, mas apenas de incentivar ações mais estudadas, sob o risco de prejudicar o orçamento de toda a instituição. A ministra do STJ acredita que, para desestimular ações manifestamente improcedentes, os ônus da sucumbência devem ser pagos pelo órgão. “Não sei, na prática, como vai acontecer. Vamos ver o que o Congresso diz”, afirma Isabel Gallotti.






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